Notícias em quadrinhos: Sete acadêmicos da mais alta instituição cultural do país falam sobre o momentoso assunto
Revista Durango Kid N. 7 (3ª série) Editora Ebal Fev. 1975 p. 2
Trecho:
A Academia Brasileira de Letras, em sua sessão de 26 de setembro de 1974, homenageou o sr. Adolfo Aizen, Diretor desta Editora, pelos 40 anos de publicações das histórias-em-quadrinhos no Brasil.
Depoimento do Dr. Francisco de Assis Barbosa, autor da biografia de Lima Barreto:
O SR. PRESIDENTE. Tem a palavra Francisco de Assis Barbosa, para saudar o visitante de hoje, Sr. Adolfo Aizen.
O SR. FRANCISCO DE ASSIS BARBOSA. Sr. Presidente, compareceu a esta sessão, a meu convite, mas com a plena aquiescência dos ilustres Acadêmicos que compõem a diretoria desta Casa, o Diretor-Presidente da Editora Brasil-América, sr. Adolfo Aizen. A história de Adolfo Aizen começa na revista O Malho, onde o conhecemos […]. Adolfo Aizen formou-se como jornalista naquela revista, onde apareceu, pela primeira vez, no Brasil, em sua feição modera, a história-em-quadrinhos. […] Depois da revolução de 1930, quando se tornou mais intensiva a massificação da imprensa, Adolfo Aizen propôs a um dos homens mais influentes da nova situação, João Alberto Lins de Barros, que , em face da invasão da história-em-quadrinhos norte-americana, fosse criada entre nós a própria história-em-quadrinhos brasileira. Era um desafio. E esse desafio foi aceito. Trata-se de um momento muito importante da história da imprensa e para ele estou chamando a atenção da Academia. Aizen realizou ao longo de quarenta anos, com o seu esforço e sua pertinácia, uma obra extraordinária, não só de nacionalização da história-em-quadrinhos, como de divulgação da literatura brasileira. Só de patronos e sócios efetivos desta Casa, a Editora Brasil-América editou centenas de títulos. É um trabalho realmente digno de todo o nosso apreço, direi mesmo, de toda a nossa gratidão. V. Exa. , Sr. Presidente, antecipando-se a esta homenagem que hoje prestamos, houve por bem conferir a Adolfo Aizen a Medalha Machado de Assis, uma de nossas mais altas insígnias. Nesse ilustre jornalista e editor, que nos honra com a sua visita, saudamos um autêntico, batalhador da nova imprensa de massa, que muito fez, faz e fará, não só pela recreação infantil, mas também pela cultura popular em nossa pátria.
Trecho: O povo brasileiro, de modo geral, lê muito pouco. As mulheres lêem em menor escala, e as jovens, proporcionalmente, não liam nada até o advento dêsse tipo de revista. Essa preguiça mental encontra eco no cinema, no rádio e na televisão, que suprem a percentagem de sonho e de vida imaginativa que cada um tem dentro de si, – mais fortemente as jovens, que ainda não atravessaram experiências “diferentes”. O romance em quadrinhos veio ao encontro do fator juventude + preguiça mental + sonho, e formou seu público, que vai de 14 a 22 anos de idade. O índice de mulheres solteiras é superior. É um público específico, que só lê fotonovela, e que pertence à classe média (B1, B2 e C) para baixo.
É um tipo de leitura prejudicial à formação intelectual dos jovens? Os puritanos afirmarão que sim, que cada quadrinho nada mais é do que uma gôta de veneno destilado. Os proprietários das emprêsas acham que não, que suas revistas são um bom subsídio para quem, por princípio, não lê nada. Mas mesmo que se concorde com sua influência perniciosa, nada há que fazer, pois elas já se constituíra num mal necessário. Uma aspiração utópica seria a de querer que elas contivessem histórias moralizantes (mas o adultério é o tema principal…), e que abolisse tudo que fira a lei e os costumes.
Realizada entre 19 de junho e 2 de julho de 1951, no Centro Cultura e Progresso em São Paulo, foi a primeira exposição de quadrinhos do Brasil que reunia exposições e trazia debates e reflexões para a valorização das histórias em quadrinhos no país.
Idealizada por Álvaro de Moya, Jayme Cortez, Syllas Roberg, Reinaldo de Oliveira e Miguel Penteado.
“Uma das artes modernas mais combativas e discutidas do momento é a história em quadrinhos. Enquanto uns a reconhecem como uma das maiores exteriorizações de todos os tempos, e a mais jovem dentre as demais, há instituições e pessoas que a combatem intransigentemente e confundem história em quadrinho com habilidade, comercio ou simples técnica. A polêmica está lançada.
E, com o intuito de lançar mais luz sobre este momentoso problema, e esclarecer ao público e à crítica em geral o extraordinário índice artístico e social alcançado por esta nova arte, o CENTRO CULTURA E PROGRESSO entrou em contacto com o STUDIOARTE, formado por jovens desenhistas desta Capital, que organizaram a 1ª EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, que se realizará em nossa sede social de 19 do corrente a 2 de julho próximo.”
1ª Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos
Jonal Nossa Voz – 28 de junho de 1951 Autor: Maurício Kuss
Sob o patrocínio do CENTRO CULTURAL E PROGRESSO realiza-se presentemente, em sua sede social, a 1ª EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA EM QUADRINHOS, organizada pelo STUDIOARTE, formada por jovens desenhistas desta Capital.
Trata-se de uma iniciativa de moços, honesta, levada, a efeitos com meios modestos, o que bata para torná-la uma realização bastante simpática e merecedora de uma demorada visita por parte de todos os interessados em qualquer espécie de arte moderna. Na Exposição pode-se verificar trabalhos originais e impressos de Alex Raymond (Flash Gordon), Harold Foster (Príncipe Valente), Milton Caniff (Steve Canyon), George Wunder (Terry e os Piratas), Al Capp (Li Abner), separados por blocos e tendências artísticas de cada um, conforme crítica explicativa feita para cada trabalho. Além disto, poderão todos notar os países do mundo, entre os quais se incluem amostra da Itália, Polônia, Canadá, Portugal, Argentina e muito outro países.
Porém, o mais importante da exposição não é este particular, puramente artístico, mas o fator social e educativo que a história em quadrinhos pode apresentar, aliado ao fato de que tal Exposição levantará seriamente um problema: o do desenhista nacional. Como é sabido, a grande maioria das histórias em quadrinhos publicadas no Brasil, provém dos Estados Unidos, não obstante, desenhistas de todo o mundo, inclusiva brasileiros, se dedicaram à esta forma de exteriorização dos conhecimentos humanos. Isto se dá em virtude de existência de alguns trustes que controlam toda a produção de histórias em quadrinhos , destacando-se dentre eles o “King Features Syndicates” e a “APLA”, com ramificações aqui no Brasil. Este reduzido número de cadeias de produção dos Estados Unidos, espalhado pelo mundo todo, vende aos proprietários de jornais e revistas, a preço vil, matrizes de papelão de histórias já publicadas nos Estados Unidos. Estas cadeias associam-se, por assim dizer, a quantos em cada país desejem produzir revistas infantis, deixando nas mãos de seus proprietários lucros fabulosos, tornando completamente impossível ao desenhista nacional competir, em preços, mas que poderia produzir leitura infantil mais digna, mais útil, mais bela, mais saudável.
A atenção do público para a exposição fará com que abram os olhos contra os habituais detratores da história em quadrinhos que a combatem intransigentemente sem ao menos conhecê-la e muitas vezes por estarem ligados a editoras de livros de histoiretas infantis sem tiragem. Ninguém pode, de boa fé, desconhecer as imensas possibilidades das histórias em quadrinhos como expressão artística e como instrumento de recreação e educação. E, se, infelizmente a maior parte delas prega a violência e conta histórias de super-homens e homens-borracha, cumpre por isso mesmo, e com urgência, separar o joio do trigo. Esclarecer a crítica e a opinião no sentido de preservar e ampliar as boas histórias, substituir as más, e incentivar os desenhistas nacionais que possam criar e adaptar temas brasileiros – este é o objetivo da Exposição. Tal objetivo é além de tudo patriótico, pois que, sem ter ligações com nenhuma organização ou entidade comercial, visa eliminar dertupações que vem sendo impostas à infância, por certos “capitalistas da imprensa” que se dedicam a publicação de histórias em sequências e que impedem o aparecimento de verdadeiros valores artísticos no domínio da histórias em Quadrinhos.
Em seguida surgiu a geração que ficou absorvida pela leitura do “Gibi” e outras publicações semelhantes. Crianças dessa geração são hoje rapazes, mas continuam atraidos por essa espécie de leitura que absolutamente nada de proveitoso lhes pode proporcionar. Oferece-lhe unicamente estupidez, no mais claro sentido que essa palavra apresente, dá-lhes uma visão falsa da vida.
[…]
Estou no conhecimento de que São Paulo se prepara uma campanha contra certa espécie de revistas que são dedicadas às crianças, mostrando os efeitos nocivos da leitura das atuais histórias em quadrinhos. Em 1945, numa das sessões do primeiro Congresso Brasileiro de Ecritores (sic) Juvenis, realizado em São Paulo, o assunto foi debatido com especial atenção e muito entusiasmo. A conclusão a que se chegou foi que essas histórias não tinham influência na mente das crianças. Penso o contrário. Acontece que muita gente que lê o “Gibi” e publicações no mesmo naipe não tem personalidade própria. Toda essa gente em seus costumes e atitudes, tem por modelo o cinema e nela a leitura se comunica acentuadamente. Todo o seu comportamento se subordina a esses elementos – cinema e leitura – no que têm de mais falso e condenável. […] Quero crer que essas histórias em quadrinhos dos nossos dias, preferidas pelas crianças (por culpa dos maiores e da sociedade), rapazes, muitos moços e até pela grande adulta propensa à leitura fazia de sentido e conteúdo, não representa nenhum perigo.
[…]
Nas estantes dessas bibliotecas deverão figurar revistas que lhes sejam de utilidade. O “Tiquinho” deverá estar nessas estantes e precisará ser passado pelos pequenos frequentadores de mão em mão.