HUMOR GRÁFICO – Origem e chegada ao Brasil
Richardson Santos de Freitas
Este artigo segue a linha de que o humor gráfico está ligado a criação e evolução dos processos de impressão, que possibilitou a produção e reprodução de desenhos de características humorísticas em grande escala.
Denominada inicialmente como caricaturas, com a evolução da linguagem gráfica surgem posteriormente a divisão de conceitos entre charges, cartuns e caricaturas.
CARICATURA
Caricatura é um retrato com distorções anatômicas e psicológicas de uma pessoa. Deriva do verbo italiano caricare, que significa carregar, sobrecarregar, carregar exageradamente. No Brasil a tendência da caricatura chega em 1837. Mais tarde a expressão caricatura ficou associada ao desenho de rosto devido a semelhança ortográfica com a palavra cara. É um desenho que traz distorções exageradas do retratado, tanto de sua forma anatômica, quanto de suas características de personalidade.
CHARGE
Desenho humorístico relativo a fato real ocorrido. Deriva do termo francês charger que tem o significado de carga / carregar. Sua característica principal está em seu conteúdo de sátira com o objetivo de criticar e denunciar acontecimentos políticos ou sociais estritamente atuais.
Charge se constitui realidade inquestionável no universo da comunicação, dentro do qual não pretende apenas distrair, mas, ao contrário, alertar, denunciar, coibir e levar a reflexão (AGOSTINHO E AJZENBERG, 1993).
Outra qualidade da charge é a de se constituir como instrumento de persuasão, intervindo no processo de definições políticas e ideológicas do receptor, através da sedução pelo humor, e criando um sentimento de adesão que pode culminar com um processo de mobilização (MIANI, 2002, p. 11).
CARTUM
Usa-se o conceito de cartum para os desenhos sem vínculo necessário com qualquer fato específico. Sua origem está na palavra inglesa cartoon, que tinha o significado original de rascunho, um esboço de obras de arte para planejamento de uma pintura ou mural, feitos normalmente em papel cartão (derivado da palavra italiana cartone: papel cartão).
Trata de temas mais gerais e universais tornando-se assim:
[..] atemporal, ou seja, sua compreensão pode se dar em épocas diferentes, tendo uma ‘vida útil’ muito mais longa e duradoura que a charge (RIANI, 2006).
Pelas características de sátira, a caricatura, cartum e charge ficaram associadas ao nome de humor gráfico.
ORIGEM DA CARICATURA
A palavra caricatura surge no período do Renascimento italiano de 1590. Ela é o estilo desenho que representa traços exagerados de uma pessoa em contraponto ao hiper-realismo predominante nas pinturas da época. É atribuído ao italiano Annibale Carracci (1560-1690) o pioneirismo no uso dessa técnica que tinha como característica a deformação com fins satíricos. Carracci fez diversos estudos de tipos populares que viviam na cidade de Bolonha como um exercício lúdico de desenho.
Carracci conceituou:
A tarefa do caricaturista não é a mesma do artista clássico? Os dois vêem a verdade final por baixo da superfície da mera aparência exterior. Os dois tentam ajudar a natureza a realizar seu plano. Um pode lutar para visualizar a forma perfeita e executá-la em sua obra, o outro luta para alcançar a deformidade perfeita, e assim revelar a essência de uma personalidade. Uma boa caricatura, como toda obra de arte, é mais verdadeira à vida que a própria realidade (ROSA, 2014, p.13-14).
Após a sua morte, foi editada uma coleção de gravuras onde se encontra escrita a palavra caricatura.

(1796) LITOGRAFIA
A popularização da caricatura aconteceu após a invenção do processo de litografia pelo alemão Alois Senefelder (1771-1834) por volta de 1796. A técnica [ lithos (pedra) e graphein (escrever) ] consiste em fazer impressão sobre uma pedra calcária plana, que permite a reprodução de gravuras. Mais econômica e menos demorada do que as outras técnicas conhecidas na época, Senefelder logo se pôs a percorrer a Europa para disseminar sua criação e a litografia logo se tornou essencial para o desenvolvimento da imprensa moderna do século XIX.
A litografia permitiu o surgimento dos semanários ilustrados, com a possibilidade de se fazer grandes tiragens.

(1830) LA CARICATURE
Sendo um documento da história e dos costumes de uma determinada época, a caricatura retratou o enfraquecimento da nobreza e do clero e ascensão da burguesia. Com isso, a população passou a questionar e expressar suas insatisfações. Passam a circular pela Europa panfletos trazendo artigos opinativos. Logo foram incorporados os desenhos, trazendo sátiras aos governantes.

Em 1830, surgiu na França o semanário La Caricature, editado por Charles Philipon e redigido por Balzac. Com colaborações de vários artistas, seu principal alvo era o reinado de Luís Filipe. http://www.greatcaricatures.com
A La Caricature foi responsável por disseminar a linha editorial de sátira. Aproveitou o momento pós Revolução de 1830 na França para questionar a liberdade de imprensa restrita e contestar o governo da época. Outros periódicos surgiram no mercado, sendo que muitos deles sofreram perseguições. Porém a tendência caiu no gosto dos francesas, espalhando para outros países.

A Encyclopédie, do século XVIII, trouxe a definição de caricatura e charge, fazendo a distinção:
Caricatura, s.f. (Pintura) A palavra francesa vem do italiano caricatura, e é o que se chama também de charge. Aplica-se principalmente a figuras grotescas e extremamente desproporcionadas, seja no todo, seja nas partes que um pintor, um escultor ou um gravador realizaram intencionalmente para se divertir e fazer rir. Callot foi excelente no gênero. Mas há um pouco de burlesco tanto em pintura como em poesia; é uma espécie de libertinagem da imaginação que só pode permitir apenas para diversão.
Charge, (Pintura e Belas Letras) é a representação sobre tela ou papel, por meio de cores, de uma pessoa, de uma ação ou mais geralmente de um tema, na qual a verdade e a semelhança exatas são alteradas apenas pelo excesso de ridículo. A arte consiste em desmanchar o preconceito real ou de opinião já existente, e levá-lo, pela expressão, até um ponto de exagero no qual, entretanto, ainda se reconheça a coisa, e além do qual não reconheçamos mais; aí a charge é a mais forte possível. (ROSA, 2014, p.18-19)
(1841) REVISTA PUNCH
A revista Punch ou The London Charivari foi uma publicação de humor de Londres que começou a circular em 1841. O auge da revista foi na década de 1940, sendo publicada até 1992. Houve uma segunda série, que durou entre 1996 e 2002. Foi a primeira a usar a denominação “cartoon” para seus desenhos. Devido a seu sucesso, o termo passou a ser sinônimo de ilustração humorística.
Em sua primeira edição, a revista publicou um desenho onde o alvo era uma exposição destinada a ajudar na seleção de novas pinturas de murais para as Casas do Parlamento inglês. O local tinha sido destruído em um incêndio e estava sendo reconstruído. O artista John Leech retratou de forma irônica os quadros expostos, contrastando com a miséria do povo. Dizia que enquanto o povo pedia pão, os filantropos do Estados faziam uma exposição. “Substância e Sombras”. Fez uma piada ao dar à ilustração o título de “Cartoon”, que em inglês tinha o significado original de “rascunho”, um esboço de uma obra de arte feitos para planejar uma pintura ou mural. Devido ao seu sucesso e repercussão, o nome pegou, mudou de sentido e passou a ser sinônimo de humor gráfico.

(1808) BRASIL
Nos 300 anos iniciais do período colonial brasileiro era proibida a impressão de textos, livros ou qualquer tipo de publicação no país. Segundo Carlos Roberto da Costa, “Obras escritas sobre o Brasil enfrentaram severo controle, fosse como forma de impedir qualquer movimento autonomista que ameaçasse a próspera colônia, fosse para evitar a cobiça de outras nações”. Sob rigorosa fiscalização, em 1706 é instalada no Recife a primeira tipografia no Brasil onde só era permitido a impressão de papéis comerciais e orações religiosas.
O panorama só muda com a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808. Um jogo de prelo de uma tipografia encomendada na Inglaterra passa a ser usado na Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. A tipografia era de uso exclusivo do Governo. Nas gráficas da Secretaria seria impressa a Gazeta do Rio de Janeiro, o primeiro periódico impresso no Brasil, lançado em 10 de setembro de 1808. Antes já circulava o jornal o Correio Braziliense, lançado em 1º de junho de 1808 que era impresso em Londres e distribuído no país. Após 1812, surge a revista As Variedades ou Ensaios de Literatura, na Bahia. Seguida, em 1813, da revista O Patriota, no Rio de Janeiro.
Somente em 1821, com a Constituição imposta a Dom João VI, o monopólio estatal foi quebrado. Mesmo assim, não foi considerado um negócio lucrativo devido ao alto índice de analfabetismo dos brasileiros.
Em 1822, circulou em Pernambuco O Maribondo, jornal que critica a dominação portuguesa, exigindo liberdade. Na logo do jornal uma charge onde um português correr de um exame de marimbondos, simbolizando a revolta dos brasileiros.

Além dos primeiros impressos, outras edições importadas chegavam ao país. O recorte abaixo é do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, da edição 184 de 20 de agosto de 1834, onde há o anúncio de venda de “números do Jornal Francez a Caricatura com todas as estampas”.

(1837) O CORCUDÃO
Segundo Sanchotene (2011, p. 21), um desenho em forma humorística do Brasil foi publicado em 1831 no O Corcudão, do estado de Pernambuco. Corcunda era o apelido dado aos membros do Partido Restaurador, que buscava devolver o reinado à D. Pedro I.
(1837) A CAMPAINHA E O CUJO
A tendência da caricatura desembarca definitivamente ao Brasil em 1837, com a publicação do desenho de autoria de Manoel de Araújo Porto-Alegre com o título A Campainha e o Cujo. O tema do desenho era uma crítica aos jornalistas que foram cooptados pelo governo para trabalhar no Correio Official.

A caricatura chegou à imprensa brasileira em um momento de produção artesanal, com distribuição restrita. Porém o país avançava, mesmo que lentamente, na modernização das prensas, na inovação das técnicas e no fortalecimento das redações, que se transformavam de pequenas para grandes empresas.
Com uma clara influência francesa, Manuel de Araújo Porto-Alegre lançou a revista Lanterna Mágica: Periódico Plastico-Philosophico, inspirada no La Lanterne Magique, em 1864, inaugurando no país um jornal com um linha editorial focada na sátira, no humor e nas caricaturas.

Clique aqui e acompanhe a construção de uma linha do tempo.
Referências:
AGOSTINHO, Aucione Torres; AJZENBERG, Elza. Charge. 1993.Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.
Biblioteca Nacional – Hemeroteca Digital: bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/
Ioana, Teodora Mechea. Did the 18th century satire of James Gillray influence the contemporary illustrations of The New Yorker magazine?. University of Suffokl, mar. 2017. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/317850727_Did_the_18th_century_satire_of_James_Gillray_influence_the_contemporary_illustrations_of_The_New_Yorker_magazine#pf5
JUNIOR, Gonçalo. A Guerra dos Gibis. A formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos quadrinhos, 1933-64. São Paulo: Companhia da Letras, 2004.
MIANI, Rozinaldo Antonio. A Charge na Imprensa Sindical: uma iconografia do mundo do trabalho. Intercom – XXV Congresso Brasileiro de Ciência da Comunidação. Salvador, 2002.
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002_Anais/2002_NP16MIANI.pdf
Revista Punch: https://www.punch.co.uk/
ROSA, Pollyana Ferreira. A comédia satânica de Honoré Daumier: a caricatura política na aurora da comunicação de massas. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, 2014.
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27160/tde-22092015-111638/publico/PollyanaFerreiraRosa.pdf
SANCHOTENE, Carlos Renan Samuel. Mídia, Humor e política. A charge da televisão. Rio de Janeiro: E-papers, 2011.
https://books.google.com.br/books
2 menções
[…] sobre sua produção gráfica. ( Leia mais sobre o surgimento das Charges e afins no artigo História do Humor Gráfico. Aqui você tem a oportunidade de conferir os […]
[…] Lei mais sobre a história do humor gráfico. […]